Essa é a primeira de três partes de uma série sobre materialismo dialético. A série se divide em (1) Materialismo, (2) Dialética e (3) Materialismo dialético.

O Materialismo é a filosofia que afirma que a realidade objetiva, é a base de tudo que existe, independentemente da consciência.

Materialismo é uma forma de entender o mundo que coloca tudo o que existe independentemente da consciência humana como a base da realidade. Isso significa que todas as coisas, incluindo pensamentos, sentimentos e ideias, têm uma origem fora da mente humana, no mundo físico. Diferente do idealismo, que acredita que a mente ou as ideias são a base de tudo, o materialismo se concentra nas coisas concretas e tangíveis que existem fora da nossa percepção.

Um materialista diz que nossas ideias são resultado de processos que ocorrem no cérebro, que é parte do mundo físico, e não estão separadas ou são algo independente dessa estrutura natural que é o cérebro. As formas como vivemos, as coisas que fazemos e criamos, dependem das condições materiais ao nosso redor, como os recursos naturais, a tecnologia e as condições sociais.

O Materialismo é uma filosofia que se manifesta de maneiras diferentes em diversas culturas pelo mundo. Na Europa, o materialismo tem suas raízes na Grécia Antiga, em especial com o filósofo Demócrito (cerca de 460–370 a.C.).

Demócrito é famoso por sua teoria dos átomos. Ele acreditava que tudo no universo é composto de pequenas partículas indivisíveis chamadas átomos, que se movem no vazio e formam todas as coisas que existem. Para ele, até a mente e a alma eram feitas desses átomos, o que colocava o materialismo no centro de sua explicação sobre a realidade. Essa visão era revolucionária porque sugeria que não havia necessidade de recorrer a deuses ou forças sobrenaturais para explicar a natureza das coisas. Tudo podia ser entendido a partir das interações dos átomos e das leis naturais.

No entanto, devido às limitações de produtividade do período que vai da Grécia Antiga (cujo modo de produção se baseava na mão de obra escrava) até o fim da Idade Média (baseada no chamado modo de produção feudal), o desenvolvimento do materialismo foi impedido. As condições sociais e econômicas desse período histórico eram dominadas pela produção agrícolas, pela baixa produtividade e pela tecnologia precária. Nesse período, a ciência e o conhecimento prático eram limitados. As condições de vida e os recursos disponíveis não favoreciam o desenvolvimento da ciência como a conhecemos atualmente. As sociedades daquela época estavam mais focadas na sobrevivência básica e na manutenção das estruturas de poder existentes.

Por isso, o pensamento idealista, que colocava a mente e o espírito acima da matéria, prevaleceu durante séculos. A ciência que poderia sustentar o materialismo não avançou porque não havia uma base econômica ou social para isso.

O idealismo se desenvolve com a divisão entre trabalho manual e intelectual

Historicamente, a sociedade desenvolveu uma divisão do trabalho em que diferentes grupos ou classes sociais se especializaram em diferentes tipos de atividades. Uma das divisões mais importantes foi entre o trabalho manual e o trabalho intelectual:

  • Trabalho Manual: Envolve a produção direta de bens e serviços, lidando com a realidade material e física. Este tipo de trabalho foi geralmente realizado pelas classes mais baixas ou pelos trabalhadores.

  • Trabalho Intelectual: Envolve a criação, manipulação e controle de ideias, leis, cultura, e conhecimento. Este tipo de trabalho foi, historicamente, o domínio das classes mais altas ou dominantes, como os sacerdotes, filósofos, e governantes.

As classes dominantes, que detinham o poder e o controle sobre os recursos materiais, monopolizaram o trabalho intelectual. Isso significa que elas tinham o poder de criar, disseminar e impor as ideologias e as formas de pensamento que melhor serviam aos seus interesses.

Idealismo, filosofia do controle das massas

Ao colocar as ideias, a mente ou o espírito como a base da realidade, o idealismo torna-se uma racionalização da dominação das classes que controlavam o trabalho intelectual. Ele tende a desviar a atenção das condições materiais e sociais que sustentam a desigualdade e a exploração, focando em vez disso em abstrações, conceitos e ideais que, de acordo com a perspectiva materialista, não confrontam diretamente as bases materiais da opressão.

O idealismo se fortaleceu porque servia para justificar e perpetuar o status quo das sociedades classistas. Se a realidade é principalmente definida por ideias ou espíritos, então as condições materiais de vida — como a pobreza, a exploração ou as desigualdades — podem ser vistas como secundárias ou até inevitáveis. Isso, em última análise, ajuda a manter o controle das classes dominantes, pois sugere que a transformação da sociedade depende de mudanças ideais ou morais, e não de uma reorganização das condições materiais e econômicas.

Com as ciências naturais e o capitalismo, o materialismo ressurge na Europa

O materialismo começou a ganhar força novamente no final da Idade Média e início da Idade Moderna, quando as condições materiais mudaram. Com o surgimento do capitalismo, as grandes navegações e o desenvolvimento da indústria, a ciência passou a ser necessária para atender às novas demandas econômicas. A busca por novos mercados, a exploração de recursos e o desenvolvimento de novas tecnologias impulsionaram a necessidade de um entendimento mais profundo do mundo material.

À medida que a ciência se desenvolveu, oferecendo ferramentas e conhecimentos práticos que eram essenciais para o crescimento econômico e para o fortalecimento do capitalismo nascente, o materialismo ganhou nova relevância. Ele forneceu uma base filosófica que correspondia às novas realidades econômicas e sociais, onde o mundo físico e suas leis eram fundamentais para o progresso e a acumulação de riqueza.

Chegando ao século XIX, o materialismo foi alimentado pelo avanço das ciências naturais e pelas transformações sociais trazidas pela Revolução Industrial. À medida que o capitalismo se expandia e a ciência se tornava cada vez mais importante para o progresso técnico e econômico, o materialismo oferecia uma base filosófica que correspondia às novas realidades econômicas e sociais. Marx e Engels se destacaram ao pegar essas ideias e transformá-las em uma crítica poderosa ao capitalismo e em uma teoria para a revolução social.

Alguns filósofos materialistas importantes

Francis Bacon (1561-1626)

Francis Bacon, um filósofo inglês, é frequentemente considerado o pai do empirismo moderno e do método científico. Ele não era um materialista no sentido estrito, mas sua insistência na observação empírica e na experimentação como o caminho para o conhecimento teve uma enorme influência no desenvolvimento do pensamento materialista. Bacon argumentava que o conhecimento deveria ser baseado em evidências concretas, observadas no mundo material, e não em especulações metafísicas.

Thomas Hobbes (1588-1679)

Thomas Hobbes, outro filósofo inglês, é conhecido por seu materialismo radical. Em sua obra mais famosa, Leviatã (1651), Hobbes argumenta que tudo, incluindo a mente humana e os processos cognitivos, pode ser explicado em termos de movimento e matéria. Ele via o mundo e os seres humanos como máquinas complexas, governadas por leis físicas, sem necessidade de recorrer a explicações sobrenaturais.

Ludwig Feuerbach (1804-1872)

Ludwig Feuerbach foi um filósofo alemão que influenciou diretamente Marx e Engels. Sua obra mais conhecida, A Essência do Cristianismo (1841), propunha que Deus e a religião são projeções das qualidades humanas. Feuerbach argumentava que a teologia era, na verdade, uma forma alienada de antropologia, e que ao estudar Deus, as pessoas estavam inconscientemente estudando a si mesmas, mas de uma maneira distorcida.

Feuerbach, apesar de seu materialismo, não aplicava sua análise ao campo social e econômico da forma que Marx e Engels fariam posteriormente. No entanto, ele foi crucial para ajudar Marx a romper com o idealismo de Hegel e a adotar uma perspectiva mais materialista.

Denis Diderot (1713-1784)

Um dos principais enciclopedistas do Iluminismo, Diderot defendia uma visão materialista do mundo e era um crítico feroz da religião e da superstição.

Julien Offray de La Mettrie (1709-1751)

Um médico e filósofo francês, La Mettrie é famoso por sua obra O Homem Máquina (1747), onde ele propõe que os seres humanos são essencialmente máquinas biológicas, uma ideia radicalmente materialista para a época.

Paul-Henri Thiry, Barão d’Holbach (1723-1789)

Outro filósofo do Iluminismo, d’Holbach escreveu O Sistema da Natureza (1770), um dos tratados mais explícitos de materialismo ateu, onde argumentava que tudo no universo, incluindo a mente humana, poderia ser explicado por leis naturais.

Karl Marx e Friedrich Engels

Com o contexto estabelecido pelos pensadores anteriores, Marx e Engels transformaram o materialismo em uma ferramenta para a análise social e histórica. Eles combinaram o materialismo com a dialética de Hegel para criar o materialismo dialético e histórico, que explica as mudanças sociais como resultado das contradições entre as forças produtivas e as relações de produção.

A crítica materialista ao idealismo começa com a rejeição da ideia de que a consciência, as ideias ou o espírito são a base da realidade

O idealismo, ao colocar a mente ou as ideias como primárias, leva a uma desconexão com o mundo material e concreto, e essa desconexão pode ter consequências filosóficas e práticas profundas.

A última consequência lógica do idealismo, segundo a crítica materialista, é o solipsismo. Solipsismo é a crença de que nada além da própria mente pode ser conhecido com certeza. Em outras palavras, é a ideia de que a única coisa que realmente existe é a própria consciência. Esse é o ponto extremo do idealismo, onde se perde completamente a conexão com uma realidade externa objetiva, restando somente a certeza de que você mesmo existe e a dúvida de que qualquer outra coisa além da sua própria consciência é real.

Para evitar o solipsismo, muitas filosofias idealistas recorrem à ideia de uma divindade ou de um espírito universal que garante a existência de uma realidade externa e objetiva. Por exemplo, em algumas vertentes do idealismo, Deus ou um espírito absoluto é visto como a garantia de que o mundo externo realmente existe e é coerente com as nossas percepções e ideias. No entanto, para os materialistas, isso é apenas uma solução artificial que não resolve a questão central: a relação entre a consciência e a realidade material.

A famosa frase Penso, logo existo (Em latim, Cogito, ergo sum), por exemplo, é uma afirmação idealista. Ela foi formulada pelo filósofo francês René Descartes e reflete uma abordagem que coloca a consciência, ou o ato de pensar, como a base da certeza da própria existência.

Descartes parte da dúvida radical, questionando tudo o que pode ser falso ou ilusório, até que chega a uma única certeza indubitável: o fato de que ele está pensando. Para Descartes, o pensamento é a prova de que ele existe. Essa abordagem é idealista porque coloca a consciência e a mente como o ponto de partida e a base fundamental para todo o conhecimento e existência, em vez de uma realidade material externa.

Um materialista, por sua vez, diria Existo, logo penso. No materialismo, a existência do corpo e do cérebro — como partes da realidade material — precede e possibilita o ato de pensar. Em outras palavras, o pensamento é visto como uma função ou resultado de processos materiais, como as atividades do cérebro, que por sua vez dependem de uma existência física concreta. Existo, logo penso reflete a ideia de que a consciência e o pensamento surgem da existência material, e não o contrário.

O critério decisivo do Materialismo é a prática social e coletiva

Para os materialistas dialéticos, como Marx, Engels e Lenin, o critério decisivo para comprovar a existência da realidade externa e objetiva não está nas ideias, na mente ou em uma divindade, mas na prática social e coletiva. A prática, que inclui a atividade produtiva, o trabalho e a interação social, é o meio pelo qual os seres humanos interagem com o mundo material e o transformam.

Por meio da prática social e coletiva, os seres humanos verificam a existência e as propriedades da realidade material. Se nossas ações no mundo produzem resultados previsíveis e repetíveis, isso demonstra a existência de uma realidade externa independente da consciência individual. A prática, portanto, é a prova material de que o mundo existe fora de nossas mentes, e que as condições materiais, não as ideias, são o que molda a realidade.

A ciência pressupõe o Materialismo e o Materialismo se desenvolve com a ciência

A ciência moderna, em sua metodologia e abordagem, pressupõe uma forma de materialismo. Isso significa que a ciência opera com a suposição de que existe uma realidade objetiva e material que pode ser observada, estudada, e compreendida independentemente da mente humana ou das crenças subjetivas. Ela assume que a realidade material é objetiva, ou seja, que fenômenos naturais e físicos acontecem de acordo com leis que podem ser descobertas e verificadas através de observações e experimentos. Ela busca explicações naturais para fenômenos naturais. Isso significa que, em vez de recorrer a causas sobrenaturais ou espirituais, a ciência procura entender o mundo através de causas materiais e processos naturais, que podem ser investigados e testados.

O método científico baseia-se na observação, experimentação e verificação repetida. Para que essas práticas sejam válidas, é necessário assumir que há um mundo material consistente e que fenômenos observados em condições controladas são representativos de uma realidade externa que pode ser generalizada. Uma característica central da ciência é a falsificabilidade — a ideia de que uma hipótese científica deve ser passível de ser testada e potencialmente refutada por evidências empíricas. Isso pressupõe a existência de um mundo material que pode fornecer essas evidências.

Porém, embora a prática científica moderna geralmente opere sob suposições materialistas, isso não significa que todos os cientistas sejam necessariamente materialistas em termos filosóficos. Um cientista pode abordar seu campo de estudo de maneira materialista e tratar outros aspectos de sua vida, como religião ou outros assuntos, de maneira idealista.

Por sua vez, o materialismo, como filosofia, fornece uma estruturação consistente da realidade em todos campos do conhecimento, mesmo que não seja necessariamente adotada dessa maneira por indivíduos. A metodologia científica, portanto, é intrinsecamente alinhada com o materialismo porque se baseia na investigação de causas e efeitos materiais, na busca por regularidades na natureza, e na suposição de que o mundo natural é compreensível e explicável em termos materiais.

O marxismo, como uma ciência, também se baseia no materialismo. Mais do que isso, o materialismo e o marxismo são inseparáveis. Um pensamento que se auto nomeia marxista e descarta o materialismo é incompatível e, em última instância, não é verdadeiramente marxista.