A dominação imperialista ocorre também no campo cultural

Como se sabe, a base da dominação imperialista de um país sobre o outro é a dominação econômica. Ela se fundamenta na exportação de capital dos países imperialistas para as colônias e semicolônias através do domínio do capital financeiro.

Suas consequências no plano econômico são o impedimento do desenvolvimento industrial dos países dominados, a permanência e em alguns casos até prevalência de relações de produção pré-capitalistas, o domínio das classes burguesas compradoras e burocráticas. As consequências políticas também são conhecidas: guerras de dominação, golpes de Estado, controle do processo eleitoral, quando o há. Existe, também (e este é o ponto que nos interessa), consequências culturais.

A dominação no campo cultural sempre se dá em pelo menos duas frentes. Há a pilhagem e destruição crua da cultura do país dominado e há uma disputa aparentemente mais abstrata, no campo estético e teórico da arte. Trataremos aqui principalmente da primeira frente. Vejamos alguns exemplos históricos.

Uma das maneiras mais tradicionais de dominar a cultura de uma nação é o puro e simples tráfico de seus artefatos culturais. Qualquer visitante de um museu de artes ou de história natural de um país imperialista terá a oportunidade de ver artefatos “de todo o mundo” (em especial de territórios de suas colônias e ex-colônias). Um exemplo clássico desse tipo de pilhagem são os museus britânicos: já é bastante conhecida a polêmica gerada pela manutenção em seu acervo de artefatos de suas ex-colônias, como por exemplo múmias e objetos do Egito antigo.

Uma segunda estratégia da frente de destruição cultural é a da exportação da produção cultural do país dominante, ou seja o escoamento, verdadeiro dumping, de mercadorias (em geral de baixíssima qualidade) produzido pela indústria cultural. Um exemplo típico dessa estratégia é a enxurrada de filmes estadunidenses que impediu e impede a indústria cinematográfica brasileira sequer de nascer1.

Como terceiro e último exemplo, bastante ligado aos anteriores, temos o controle, por parte do país dominante, de todos os meios de produção cultural. Toda a indústria de televisão, rádio, cinema, museus, notícias, eventos culturais, redes sociais é dominada pelo capital estrangeiro. Na prática, em termos estatísticos, toda a produção cultural da colônia ou semicolônia é produzida direta ou indiretamente pelo capital financeiro imperialista. Aqui, basta seguir a trilha do dinheiro: facilmente se constata que por trás de toda empresa de produção cultural há um conglomerado estrangeiro controlando-a.

Israel domina a cultura palestina

Se admitirmos que a relação entre Israel e Palestina é uma relação de dominação imperialista, esperamos encontrar, dentre as estratégias de dominação, aquelas de dominação cultural. E isso é exatamente o que encontramos.

A pesquisadora Luma Zayad2 recolhe exemplos dessa pilhagem sistemática:

  • Em 2017, um grupo de costureiras palestinas recebeu uma encomenda de um vestido com bordados do tipo tatreez, um bordado tradicional da cultura palestina. Esse vestido foi assinado por uma estilista israelense e exibido em um evento para levantar fundos para os desfiles de moda da New York Fashion Week. Desde que Israel começou a invadir o territorio palestino, as vestimentas desse povo, deixadas para trás na fuga, foram utilizadas pelos colonos e, posteriormente, reivindicados como parte da cultura sionista.
  • Em 2013, uma performance de dança do coreógrafo israelense Zvi Gotheiner incluiu a “criação” do número Dabke, que na realidade é um tipo de dança tradicional, normalmente executada em casamentos, praticada por palestinos, libaneses e sírios. Desde os anos 30 coreógrafos sionistas estudam as danças tradicionais palestinas para recriá-las nos palcos em apresentações de dança.
  • Israel reivindica diversos sítios de escavações arqueológicas como pertencentes a seu território e autoridade. Entre 2013 e 2014, o Museu de Israel realizou uma exibição como artefatos escavados do sítio de Herodium, localizado na região ocidental da Palestina, mas designado por Israel como pertencente a si. Na exibição não houve qualquer menção sobre a Palestina ou sobre a localização do sítio em território ocupado.
  • Desde os anos 90, a culinária árabe é divulgada nos Estados Unidos como israelense.
  • Após a invasão de Israel do território palestino, em 1967, em que fugitivos foram forçados a sair de suas casas portando apenas as roupas do corpo, mais de 7900 acres de terras foram cobertos com pinheiros, uma árvore de origem européia que não só apagou a paisagem de vinhedos e olivas, considerada pela UNESCO como parte da herança cultural da humanidade, mas também (e mais importante) apagou os vestigios da limpeza étnica provocada pelo sionismo.

Fica evidente, portanto, que a ocupação sionista da região da palestina apresenta características imperialistas em todos os campos, incluindo o da cultura.

Apropriação cultural ou pilhagem?

Usualmente, no debate sobre a dominação cultural de um povo sobre o outro, utiliza-se o termo “apropriação cultural” para descrever esse processo. Esse termo, no entanto, é ambíguo e induz ao erro: uma influência da ideologia burguesa (ou, melhor dizendo, da visão metafísica de mundo) nas polêmicas sobre o assunto.

O problema da apropriação cultural de um povo pelo outro é mal colocado, quando descrito, dessa maneira, como “apropriação”. A produção cultural de um povo é algo que pertence à humanidade, e a apreciação da riqueza cultural de um povo pelo outro, assim como a própria utilização de seus sistemas de linguagem artística por qualquer artista, faz parte do espírito internacionalista inerente ao proletariado mundial.

Neste texto tomou-se o cuidado de utilizar o termo “pilhagem” para deixar claro que o processo de dominação imperialista no campo cultural se dá através da dominação dos meios de produção e divulgação da cultura. No caso particular da dominação sionista da Palestina, vemos claramente que há um processo de falsificação da história cultural do povo árabe, de controle de festivais, rádios, televisão, produção de livros, moda, espetáculos, etc. Todos os meios pelos quais a cultura é produzida e comunicada são dominados pelo sionismo e, concomitantemente, é o ponto de vista (a distorção) sionista da cultura que se espalha pela região e de fato pelo mundo, especialmente através de seu patrono maior, os Estados Unidos da América.

Desenvolver a cultura nacional para combater a dominação imperialista

Vimos que a dominação cultural faz corpo com o processo mais geral de dominação imperialista em diversos campos e demonstramos como esse processo está sendo levado adiante na região do oriente médio pelo sionismo, cuja vítima principal é o povo palestino.

A dominação cultural, por mais abstrata que se dê no campo estético, e por mais que, nesse campo, haja também uma batalha a ser travada, na realidade ocorre de maneira muito mais concreta, crua até, a partir de um processo de pilhagem dos bens culturais de um povo por seu algoz imperialista.

Daí que o desenvolvimento da cultura verdadeiramente nacional e sua defesa é parte da batalha contra o imperialismo, pois a chamada “globalização”, o “internacionalismo”, o “cosmopolitismo”, nada mais são do que termos burgueses para mascarar o apagamento e a pilhagem da cultura nacional dos povos. Saudemos, portanto, a produção cultural de resistência palestina.


  1. Sobre esse assunto, recomendamos a leitura de SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro : Civilização brasileira S.A, 1970 ↩︎

  2. Ver ZAYAD, Luma. Systematic Cultural Appropriation and the Israeli-Palestinian Conflict, 2019. Disponível em (https://via.library.depaul.edu/jatip/vol28/iss2/2/)↩︎